1. “Eles
reconheceram o Senhor ao partir o pão” (Cf. Lc 24,30-31). Esta afirmação que
ouvimos no Evangelho aponta para nós algumas realidades:
·
A
experiência do Ressuscitado da primeira comunidade cristã;
·
As
refeições fraternas nas casas dos cristãos (Eucaristia);
·
O
reconhecimento de Jesus como Senhor, que só “acontece” quando se percorre um
caminho humano, que prevê alegrias e celebração, mas também o fracasso, a
solidão, a busca pela justiça e verdade, a coerência em direção a um mundo
melhor e a solidariedade (é esta a experiência que os discipulos de Emaús fazem
na busca de respostas para os seus “porquês” e diante de toda angustia que
estavam sentindo pelo ocorrido com Jesus);
É neste quadro
que o Cristo, anônimo e misterioso, companheiro, testemunha e interlocutor das
hesitações e dúvidas daqueles discipulos, revela-se, não como alguém que tem
resposta para todos os questionamentos, mas como alguém que aceitou entrar no
plano de Deus, onde torna-se o primogênito, ou seja, o primeiro de uma nova
humanidade, nascida do seu sacrifício redentor.
Ele se revela
num gesto tão simples: no partir de um pão. Um pão que indica a sua Presença no
meio de nós, a Eucaristia.
2. A Eucaristia
é um rito, pelo qual reconhecemos o Senhor. Não é qualquer rito, mas o memorial
da sua morte e ressurreição. Neste rito se revelam os acontecimentos históricos
da vida de Jesus, de sua Igreja e de toda a humanidade. Neste rito se revela o
plano de Deus na atualidade da nossa história. A Eucaristia que celebramos não
é recordação, mas atualização da Páscoa do Senhor e da nossa Páscoa também,
pois é anúncio de salvação.
Este rito que
celebramos como memorial é composto de duas partes: Liturgia da Palavra e
Liturgia da Eucaristia. Seguimos os moldes da catequese primitiva dos apóstolos
(por exemplo, At 2,14-33 – O discurso depois de Pentecostes), que se apoiava no
testemunho da Escritura para interpretar o Cristo e seu anúncio; também a nossa
comunidade se reúne para ouvir a Palavra de Deus proclamada, e assim
compreender a sua vida de hoje ao mesmo tempo em que antecipa, na esperança, a
glória com Cristo. Depois se celebra a Eucaristia – O Deus que nos fala se doa
no pão consagrado e partilhado.
É por isso que a
Igreja nos ensina que “as duas partes que constituem a missa, isto é, a
liturgia da Palavra e a liturgia eucarística, são tão estreitamente unidas
entre si que formam um só ato de culto” (SC 56). Ou seja, “só quem partilha a
mesma história pode partilhar o mesmo pão que é memorial, presença e profecia
do Senhor ressuscitado” (Missal Dominical, Paulus)
3. A Eucaristia
conforme nos ensina a Igreja “é ápice e fonte de toda a vida cristã”. A
comunidade cristã se reúne em torno dela, portanto em torno de uma pessoa,
Jesus Ressuscitado, que, está presente na Eucaristia, força que une a
comunidade, força que impulsiona o seu desenvolvimento. Nós ocupamos o lugar
dos discipulos de Emaús, pois reconhecemos o Senhor no partir do pão.
4. Pedro nos
apresenta em sua carta uma norma de vida que consiste no temor filial que se
deve ter em relação a Deus. Esta norma de vida tem seu fundamento na fé no
mistério de Cristo revelado nos últimos tempos. De fato, a revelação última de
Jesus, depois de Pentecostes, acontece na Eucaristia, revelação que se renova a
todo instante nos altares ao redor do mundo.
O Sangue de
Jesus derramado na Cruz é o mesmo Sangue consagrado sobre o altar, este é o
preço pago pelo nosso resgate e ao mesmo tempo fundamento da nossa esperança
(Cf. I Pd 1,17-21). Sob o olhar do Apóstolo que nos explica o mistério pascal,
apresentando-nos como motivo determinante de santidade e de vida, ele nos fala
do resgate que Cristo nos faz, o que nos leva a compreendermos ainda mais a
Eucaristia como fonte e ápice de toda vida cristã.
A Eucaristia nos
leva a fazermos uma experiência de resgate de consciência. A consciência de
termos sido resgatados da vergonha e da escravidão e do pecado mediante o
sangue do Filho de Deus. Este argumento é forte e inevitavelmente leva os
homens a amar o seu Salvador e a viver de tal modo que sua Paixão não tenha
sido inútil. O Sangue de Jesus é precioso, é dom, é esperança de vida eterna.
5. Sendo fonte
de vida, a Eucaristia nos chama a viver uma dimensão social, este Senhor que é
reconhecido ao partir do pão por aqueles que comungam, pede aos mesmos, que se
comprometam a partilhar outro pão, o pão da justiça e da solidariedade, um pão
de defesa para aqueles que têm o pão de cada dia roubado pelas injustiças dos
homens e sistemas sociais exploradores. Se faltarmos com este compromisso a
Eucaristia não tem sentido, deixa de ser revelação da Presença de Jesus e passa
a ser apenas um fenômeno alienante que alimenta somente uma fé sem raízes e sem
compromisso.
A este respeito
nos diz São João Crisóstomo: "De que serve ornar de vasos de ouro a mesa do Cristo,
se ele mesmo morre de fome? Começa por alimentá-lo quando está faminto, e então
poderás decorar sua mesa com o supérfluo. Dize-me: se, vendo alguém privado do
sustento indispensável, o deixasses em jejum e fosses enfeitar sua mesa com vasos de ouro, achas que
ele te seria agradecido? Ou não ficaria indignado? Ou ainda, se vendo-o vestido
de andrajos e trêmulo de frio, o deixasses sem roupa para erigir-lhe monumentos
de ouro, pretendendo assim honrá-lo, não diria ele que estarias zombando dele
com a mais refinada ironia? Confessa a ti mesmo que ages assim com o Cristo,
quando ele é peregrino, estrangeiro e está sem abrigo, e tu, em lugar de recebê-lo,
decoras os pavimentos, as paredes e os capitéis das colunas. Suspendes
candelabros com correntes de prata, e quando ele está acorrentado, não vais
consolá-lo. Não digo isto para reprovar esses ornamentos, mas afirmo que é
necessário fazer uma coisa sem omitir a outra; ou melhor, que se deve começar
por esta, isto é, por socorrer o pobre".
6. Por fim, a
Liturgia de hoje nos indica um caminho para o verdadeiro encontro com Jesus: é
preciso escutar as Escrituras e partir juntos o Pão. Desta forma nos nutrimos
do Pão da Vida que é a Eucaristia. Quem participa da Eucaristia se deixa
transformar por Aquele que nela se doa. Por isso, a Eucaristia tende a nos
tornar apóstolos, pois ela é amor ardente de Deus por nós, a qual devemos amar
com um amor igualmente consumidor.
Sim, o
“reconhecemos ao partir o pão”.
Pe. Rodolfo
Marinho de Sousa
3º. Domingo da
Páscoa – “Domingo dos Discipulos de Emaús” (Ano A)
São Paulo, 04 de Maio
de 2014
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